Ricardo:
(imagem retirada daqui / photo from - link & LINK)
Ora Ricarduxo, o que é que eu posso dizer?
Que sempre soube que eras especial, desde 1789 ou 90 ou lá o que era o ano em que te conheci?
Todos o sabiam, e 'todos' eram (éramos) muitos, pois afectaste a vida de tanta gente, dentro e fora deste país.
És prova que os "mass-mixórdia" no teu caso era escusado, tal é a dimensão da quantidade de gente que tocaste com essa tua maneira de estar, de lutar, de sentir e agir, de se Ser.
Que posso eu dizer mais que outros que, de forma eloquente, já disseram de ti, antes e depois desse teu estômago de uma figa nos ter fintado de forma tão cruel?
Que eras realmente uma ave rara, muito rara, num mundo hostil de feras?
Eras, mas isso sempre se soube e verificou.., sentia-se com cada gesto teu, meu querido amigo.
Que eras mesmo completamente destemido, e não paravas?
Sempre o soubemos e via-se no dia a dia, neste assim como noutros locais do globo.
Que eras tão feroz quão cuidadoso, e de uma doce ternura, em todas as acções, lutas, e na vida?
Aqui também não há novidade para ninguém meu lindo amigo, não há.
Que mesmo as tuas fragilidades (todos temos) tinham uma graça imensurável?
Tinham pois, e quem te conhecia de perto bem o sabia.
Que o teu humanismo desarmava?
Que salvaste muitos?
Que tinhas uma inteligência múltipla que de forma rápida agia, num ápice (para ti podia parecer que hesitavas, com a velocidade que esse pensamento seguia.., mas para quem visse..), ante situações que sabias serem de perigo mas onde a tua alma, que sempre lutou para cuidar, proteger e salvaguardar, mesmo que antevisses que quem vias ia ser encurralado, e em que lá ias tu, e.... ?
(sim, sempre, como sempre, assim foste feito e assim sempre foste. é como constatar que o oxigénio em estado líquido é azul e que ao mesmo tempo é precisamente o oxigénio que torna o sangue vermelho.......,)
Pois, como dizias, eras alto, estavas preparado, nem que fosse apenas para denunciar, e que antes que pudessem chegar a "x" estavas lá tu, acontecesse o que acontecesse.
Homem de letras, de grande sensibilidade, com uma cultura geral vastíssima como não podia deixar de ser
(..pois é, acabei por nunca chegar a ver o "desembrulhar" como dizias, nesta casa final onde viveste, essa tua biblioteca.., como tanto me falaste e me atiçavas para ver, e que recentemente com infelicidade viste aumentar com os livros da casa de teus pais.. (ah, esse estômago'.., se o apanho.., vai ouvir das boas, ah, vai, vai)....) ,
e de uma grande ternura, viste e viveste situações levados da breca, e viveste coisas de uma beleza deslumbrante..
Viveste muito, sempre muito, e sempre intensamente (e tinhas acabado de fazer os teus 49 aninhos..... apenas).
Não, não vou escrever mais.
Para mais acabo de ver que hoje já é dia 5 de Fevereiro e, só agora dei conta disso (e apesar de não ligar assim tanto a efemeridades, contrario-me, meu querido Ricardimininimini. É que faz exactamente 20 anos que meu Pai partiu, após meses de uma luta semelhante, uma altura complicada, onde na tentativa de não sobrar para outros, me fechei para o mundo.. Deixei de ver queridos amigos, como tu, assim como o homem que na altura tinha acabado de entrar na minha vida de forma intensa.. Não podia, não conseguia dizer, tal como a vós, os caminhos que tinha pela frente. O meu pai, principalmente, para além de alguns outros que me eram e são queridos, tinha-me amparado num luto complicado (na década anterior) como sabias, de meu primeiro marido. Nesse mesmo ano em que ele foi, perdia um que também me era chegado, amigo e mentor..
Só me contaram depois.. pensando que me poupavam.. (não foi por mal, mas isto das despedidas......, enfim, como muitos não tenho mesmo jeitinho nenhum, mas temos de aceitar as coisas e celebrar a vida, celebrar a partilha dos momentos que temos uns com outros). Voltei-te a ver com mais regularidade, o que por si só é/era motivo de grande alegria (e foi), numa altura complicada de sarar, novamente, ..pois tinha acabado de perder quem nunca imaginei perder. ..precisamente quem tinha entrado na minha vida de forma intensa, há tantos anos, que sempre no coração um do outro se esteve, que antes de partir me transformou novamente numa miúda apaixonada, sem sentir o chão debaixo dos pés, sem saber onde se meter como uma adolescente.., sempre a corar.. As nossas vidas sempre se pareciam cruzar assim, em momentos de intensa emoção de uma forma ou outra, e sempre foste um querido, muito querido irmão escolhido, que qualquer um se orgulharia. )
Só te digo uma coisa mais, estou zangada com esse 'mafarriquento' estômago, de uma figa, que durante três anos ou lá o que foi parecia engolir toda a malignidade que vias pela frente e enfrentavas, e que em vez de a purgar, guardou-a toda..
Bandido estômago, que tanta lágrima agora nos faz verter.
Até já meu querido.
A tua vida é uma celebração. É um hino à vida, e pela parte que me toca, aquece-me a alma alguém como tu ter por cá andado. Fizeste e continuas a fazer diferença no mundo (inspiravas e creio que continuarás a inspirar sempre muitos na vida).
O que te deixo é isto Ricardo, não é com o 'deveras', com a 'tromboníssima canalização' que te dava gozo, ou com o que mais recentemente tive de me ajeitar a "fazer", e que te fez romper em sorrisos (aquela coisa de quatro cordas, pfffff, logo eu.. cordas.. pfffffff, o que uma pessoa faz por.., para dar pica a terceiros para se espevitarem e porem mãos à obra..),
no entanto é como me sei exprimir há mais tempo.. e é do coração.
- encontrei-o e era para to dar pelo teu aniversário mas..
Um beijo.
(Podia trazer para aqui um de inúmeros poemas traduzidos por ti mas.., mas desta vez não)
Todos os dias, da janela da sala, ao entardecer,quando os primeiros farrapos de noite se insinuam pela cidade,quando os bandos de estorninhos transformam a longa palmeira em árvore canora,da janela da sala me chega o buliçoso vozear dos excluídos.Acorrem à distribuição de alimentos.No sagrado de Arroios se atropelam, insultam, namoram, comem;cada dia são mais. Alguns andrajosos,outros loucos,emigrantes do sonho etéreo de um Portugal de alcatrão e cimento,gentes que pela farpela se vê que já conheceram melhores dias,marginais,e idosos, tantos e tantos idosos.Uns chegam receosos, outros tímidos,há-os bêbedos, drogados, institucionalizados, fugidos, resignados,só há que escolher a cor, o modelo, o feitio, o consumo.Só sei que o supermercado da miséria me despertaum já não tão absurdo desejo de sofrer.
(da tua autoria) Publicado no teu Blogue há 4 anos,
AQUI
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Resta-me deixar algumas das coisas escritas, por alguns outros que te traziam no coração.., e que de forma muito mais eloquente falam-te.
(e peço desculpa pois só vi alguns. Como sabes, sou um pouco "feicebuquó-naba". Por isso só consigo colocar os que me apareceram e que saiba como apanhar a ligação, nem todos consigo, e queria, e, para além destes há mais, muitos mais)
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Quis colocar aqui uma ligação (embora não os coloque por nenhuma ordem especifica, mas queria colocá-lo logo de início, é lindíssimo. É algo que escreveu uma tua querida amiga, uma grande mulher, a
Sandra Duarte Moço), mas não consigo..
Por isso trago para aqui o que lá está:
«Para mim o Ricardo era assim. Tal e qual assim. Destemido, imponente, um verdadeiro Capitão.Somos almas gémeas na emotividade, no acreditar que na Luta está a nossa forma de estar. Digo que somos porque ele continua bem vivo para mim e serve-me de exemplo para as minhas lutas.O Ricardo nunca me conheceu em pé. Nunca, por nunca ser, vi no seu olhar um sentimento de pena. Sempre me tratou como alguém capaz de enfrentar tudo e todos. Sempre me deu força para que me levantasse contra todas as contrariedades da vida.
Um dos momentos que mais me marcaram até hoje foi vivido com o Ricardo.
Numa manifestação, já com uma prótese, encontrei o Ricardo. Levantei-me, abraçamo-nos e emocionámos-nos. Foi o melhor abraço de sempre. E ver lágrimas de felicidade a correr na face de um grande amigo por algo que conseguimos é, sem dúvida, a melhor recompensa do nosso esforço.
Nunca, por nunca ser, vou esquecer-te. És um dos meus faróis em dias de tempestade e de mar sereno. Capitão, para sempre meu Capitão!»
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Deixaste de navegar neste mar de Humanidade para aportar noutros.. que nem sei se há ou se são outros. (não sei a configuração do Eterno e de seu Mar Emaculado, mas sei que nos acolhe, pois nunca nos perde)
Não, não tenho jeito para despedidas e, confesso que não gosto mesmo nada de ter escrito este post, nadinha..
Até já, meu lindo.
(abraço grande, e muito solidário, aos outros que estão agora como eu (des)Ricardados)
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P.S. nem dei conta de se ter passado o dia de ter nascido a tua amada (tua, minha, e de muitos) Rosa Parks
Fica aqui, também, pois sei que fica mesmo bem.
Sei como gostavas dela.
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