Novo ciclo

(Joseph Praetorius, 30/10/2018)
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Joseph Praetorius
Parecem fenómenos diferentes, embora neles haja aspectos comuns.
Na Europa, regista-se a exasperação das forças do trabalho, com o mercado invadido por vectores de migração a fazerem baixar os preços da mão de obra, acrescendo a pressão dos fundos financeiros e outros vectores de especulação,- somados ainda ao “preço” da presença das elites árabes, asiáticas, russa,brasileira, até e mesmo Norte Americana – que fazem subir os preços do imobiliário e retiram das cidades – mesmo com propósito confessado, como está a ser o caso de Lisboa – os vectores de classe média e média baixa que nelas sempre habitaram e lhes davam a cor e a identidade.
As classes médias foram postas em risco de vida pelo sistema e defendem-se. Como o sistema, de resto. As populações sentem-se atacadas pelos seus próprios estados. Com razão, infelizmente. E o sistema começou a defender-se contra a sua própria gente. Mobiliza a imprensa. Calunia, troça, desvaloriza.
E a população reage pelas redes sociais. Abandona os jornais. troça das televisões. E vota onde vê apoio. A “extrema direita”, o “populismo”, defende a paz – contra a loucura da OTAN cujos funcionários querem a guerra a todo o custo – os “populistas” defendem o trabalho e a vida. (Os recentes decretos italianos são de uma evidência a dispensar comentários).Defendem até a liberdade. A França vive há três anos em estado de sítio e se a designação foi abandonada foi porque Macron introduziu na Lei, como habitual, essa solução antes excepcional.
São poucos e pequenos os vectores organizacionais de esquerda que conseguiram resistir à descaracterização da “modernidade” da terceira via. A “esquerda” e a “direita” transformaram-se em empregados de especuladores financeiros e às vezes desenvolveram as suas próprias máfias, com parasitagens gravíssimas do aparelho de estado. Os ditos “intelectuais” fazem figuras grotescas. Apelando à defesa de uma “liberdade” que identificam com um sistema que deixou de a proteger.
A anterior “extrema-direita” aparece com fantasias, completamente imbecis, como o “marxismo cultural” que é evidentemente uma ficção. O “gramscianismo”, dizem. Um disparate. claro, que nada tem a ver com o pensamento de Gramsci, homem notabilíssimo que, de resto, tal gente nunca leu.
Tal coisa emerge, é claro, da imbecilidade católica brasileira, “os arautos”.”Ordem religiosa” que se funda num movimento político. cujos “monges” se vestem de arlequins e andam de botas altas, pondo-se em bicos de pés para procurarem parasitar o fenómeno do grande descontentamento. Mas, onde há cérebro, a antiga direita radical refunde-se. A senhora Le Pen é disso um óptimo exemplo. E responde, ou procura responder, ao apelo social. Com êxito variável. Porém, aos novos problemas cabem melhor novas estruturas. Nova gente. Novas cabeças. Sem nenhum dos velhos vícios. E isso vai surgindo na Europa.
Nas Américas, foi Trump quem salvou a paz. Os cretinos clintonianos e obamascas queriam a guerra por confrontação directa e imediata com a Rússia, logo em Janeiro de 2017, se a Hilária tivesse ganho. Teria sido uma bela ida “de ventas à torneira”, como é costume dizer-se, que nem os serviços de informação militar faziam a menor ideia do grau de eficácia e modernização militar da Federação Russa.
Mas o projecto está ainda de pé. Depois de dezassete anos, a quinhentos mil milhões de USD anuais para despesas “de defesa”, sem aumento de impostos, as finanças da América do Norte estão comprometidas por décadas, se acaso o Estado escapar à insolvência.
O belicismo serve como nova aplicação do “capitalismo de casino”. Não está mal – não acham? – como contraste com a grande esperança que Obama tinha corporizado. Era afinal e apenas um valido dos senhores da guerra, a celebrar em público o cruento assassinato como política de estado. E o belicismo aponta à miragem da morte dos credores, a suscitar pela guerra. Trump frustrou a sinistra aventura, que teria significado o colapso de tudo. Porque é um comerciante. E raciocina, graças a Deus, como um comerciante.O eleitorado entendeu-o. E desautorizou a imprensa, reduzida à mera propaganda, em proporções nunca antes vistas.
O Brasil foi a caricatura do processo norte-americano. Também alimentado pela ácida decepção, suscitada pelo pretenso pragmatismo do PT que aceitou confundir-se com aquilo que se tinha comprometido a eliminar. A corrupção agoniante onde tudo está à venda. E onde o PT se pôs a comprar votos à escumalha, até a escumalha perceber que se o PT não podia subsistir sem ela, ela podia substituí-lo. E assim foi, num dia inesquecível, com a deposição de Dilma. Agora, segundo tudo indica, vão aplicar-se as receitas de Macri com um histérico no comando.
A registar, em todo o caso, que Bolsonaro desprezou os debates, onde o esperava o fracasso certo, na tarefa – para um grunho, impossível – de enfrentar a cultura universitária do opositor. Também desprezou a imprensa, dispensando-se até das acções de rua, tudo substituindo pelas intervenções em redes sociais. E esta acentuação do fenómeno da dispensabilidade da imprensa – e das suas multidões de parasitas e agentes de mil propagandas – esta acentuação, intensamente demonstrativa, é para reter. E usar.
Abandonando – gradualmente embora – o “projecto global”, Trump quer retomar a América Latina. E tem conseguido importantes êxitos. Não me parecem decisivos, nem definitivos, em todo o caso. E são catastróficos para as populações locais, bem entendido. A teimosa resistência de Maduro também não saiu barata aos venezuelanos, bem sei. Mas se conseguir vencer, como parece, a Venezuela será um ponto de apoio formidável para mudanças significativas.
Na Eurásia, o novo eixo do mundo reforça-se. Não vejo nada capaz de se opor à força gravitacional respectiva. A unidade eurasiática é o destino da Europa ocidental. Em alternativa, só a desintegração e uma pobreza, sem precedentes conhecidos.
De novo ressurge a evidência apontada por Oliveira Martins, sublinhando o ocidente da península ibérica como natural princípio e fim de todas as vias férreas europeias. Acrescente-se, de todas as rotas marítimas do Atlântico Sul – e algumas do Atlântico Norte – o mesmo se dizendo para as rotas aéreas e para as estradas. José Sócrates tinha entendido isso, visivelmente. Mais ou menos enleado por tralhas várias, nada lhe tirou desembaraço em opções estratégicas fundamentais.
Agora, estamos quase há dez anos parados, como outros pretendiam que ficássemos. Quase há dez anos exclusivamente entregues a uma sucessão de idiotas ostentando uma imbecilidade larvar. (Nesta legislatura, conseguiram evitar a morte por inanição da população inteira, já não é mau).
Mas o mundo está a mexer muito e muito depressa. E perdemos (mais) dez anos.